quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Cidade é um local de mistura, sendo da mistura que retira a sua Vitalidade

Servindo-nos da terminologia química, quando se fala da vitalidade da impureza, da vitalidade da mistura, sustentamos que é exactamente a ideia de mistura que é mais concordante com a Cidade, dado que a mistura é sempre mais rica do que a realidade do composto. O composto reduz os elementos constituintes a uma única forma de organização e de estabilidade, ficando, quase sempre, estéril em relação a novas transformações.

Em verdade, o composto é já um produto final, que, enquanto produto final, já está, de certo modo, morto; o composto é uma realidade única que resultou da reacção dos seus vários elementos constituintes, ao passo que a mistura, ao manter a identidade de todos os seus elementos, mantém as potencialidades de poder gerar múltiplas realizações. A vitalidade da cidade deriva exactamente da capacidade de dispor de elementos, mais ou menos livres, numa mistura complexa, conseguindo gerar nova vida, novas realizações.

Para tornar tudo mais claro, poderemos recorrer a uma pequena metáfora: coloquemos o grão de trigo, farinha, água, um pouco de sal e fermento, de um lado e do outro, um pão já confeccionado. Quando se evoca o conceito de mistura terá a ver com os ingredientes que poderão ser recombinados de múltiplas formas, ao passo que o pão é dado como um objecto final, pronto e acabado, não permitindo a panóplia de possibilidades que a recombinação múltipla dos ingredientes possibilita.

Esta concepção poderá ainda ser ilustrada com alguns paradoxos do suposto puro. O primeiro refere-se a um projecto que chegou a ser feito na Câmara Municipal de Bragança para construir um bairro específico destinado a ciganos, na antiga lixeira, que daria num gueto autêntico, numa fonte contínua de problemas. O projecto definia uma só entrada, o que seria muito mau, caso fosse para toda a gente, mas que, com a intenção clara de arrumar, de segregar, só poderia ser ainda muito pior. Bastariam dois residentes armados para impedir o acesso ao bairro.

O segundo paradoxo, igualmente curioso, tem a ver com o que aconteceu num dia de nevada, no Inverno passado. Um carro não conseguiu subir a Avenida do Sabor, que é praticamente plana. Tendo em conta as obras de organização e disciplina espacial a que foi sujeita, bastou que esse referido carro tivesse bloqueado para impedir o trânsito naquele sentido. Com efeito, gerou-se um incompreensível engarrafamento, quando, a antiga avenida, antes da iluminada intervenção, permitia, facilmente, várias vias alternativas para escoar o trânsito, o que inviabilizaria só por si o problema apontado.

Em jeito de conclusão, a Cidade da impureza, da mistura, é a Cidade onde os cruzamentos acontecem naturalmente e onde as coisas não andam a par, as coisas cruzam-se e por isso há choques, que será ainda uma outra forma de vitalizar a Cidade.


A Cidade não poderá convergir para um ponto único, deverá ter múltiplos pontos, dentro de uma estrutura de rede, onde os múltiplos nós constituam os diversos cruzamentos. São as múltiplas possibilidades de caminhos alternativos para se chegar a um mesmo sítio, que fazem verdadeiramente a Cidade e a tornam mais apetecível.

Claro que a Cidade é certamente o sítio do Bem e do Mal, mas só assim coloca ao cidadão o confronto com as escolhas, isto é , com o sagrado exercício da Liberdade humana.