sábado, 5 de junho de 2010

CIDADE:DA VITALIDADE DA IMPUREZA À ESTERILIDADE DO PURO

A Cidade, tal como a percebemos, é uma criação humana, mas também uma criadora do próprio homem. Existe Cidade, a velha Polis grega, desde que os mais que um, os «polis», os muitos queiram e desejem viver em grupo.

Cidade será então uma forma, uma estrutura, uma possibilidade de um certo número de indivíduos humanos subsistir e existir num tempo e num espaço próprios. A cidade será então a memória, o presente com seus presentes e também o futuro em forma do que se projecta.

Enquanto criação humana que é, a Cidade nunca pode existir na forma ideal nem pura. Mais, será da sua própria impureza que retira a sua principal vitalidade. Uma cidade pura, uma cidade totalmente organizada, é uma cidade que apenas poderá viver na nossa imaginação, no nosso pensamento, mas que estará condenada à esterilidade e será bem diferente da Cidade real, com vida própria.

A principal razão dessa esterilidade é que uma cidade pura põe de lado, exclui, ao passo que a autêntica cidade é por natureza, inclusiva. Sendo inclusiva permitirá que nela permaneçam distintas as suas diversas partes - pessoas, classes, culturas -, além de potenciar e permitir que essas várias partes se agreguem e misturem entre si formando uma outra coisa, numa linha vital de expressividade e abertura.

Claro que essa mistura, essa agregação, não poderá ocorrer num único e mesmo espaço, mas em espaços que eles próprios são diversos e se misturam, se entrecruzam, permitindo a convivência de múltiplas culturas, pessoas, classes, origens.

A ideia da vitalidade da impureza aplica-se tanto à forma, como aos mais diversos conteúdos e situações - sociedade em geral, família, escola, entre outros.

Em relação à sociedade, fala a história bem recente da tentativa hitleriana do apuramento de uma raça pura, o que se traduziria na exclusão de todo o resto, caso esse vão intento houvesse sido levado até ao fim.

Relativamente à família, estamos claramente a passar de um paradigma de família extensa para a família nuclear, onde existem os diversos caixotes - para arrumar os idosos nos lares de Terceira Idade, os bebés nas Creches, as crianças nos Jardins de Infância e assim por diante. Seria pelo menos desejável que esses caixotes tivessem aberturas e competentes canais de comunicação potenciadores da liberdade e dignidade da pessoa humana. O conceito de cidade, tal como o defendemos, deverá permitir a convivência das várias gerações tendo em vista uma memória mais alargada, e um tempo de viver mais dilatado, livre e realizador dos diferentes actores.

Dentro da mesma ideia de Cidade, em relação à escola, defende-se que esta não deveria ter muros, a fim de poder conviver mais facilmente com tudo o que tem à volta. Ainda que não faltem teorias que sustentem que a escola deva comunicar, participar, misturar-se com a sociedade, com o meio envolvente, a verdade é que, fisicamente, a escola actual se isola cada vez mais, protegendo-se com muros cada vez mais altos. Não bastando os muros físicos, temos ainda outros muros em forma de cartões de acesso às entradas e em forma de câmaras para identificar, vigiar e controlar as presenças e comportamentos dos diversos indivíduos que acedam a tais locais.

Sob o ponto de vista formal, a Cidade não tem que ser como um edifício de arquitectura coerente; a cidade é necessariamente histórica e ao conviver com a história ela deverá ter sabido conviver com as diferentes épocas e incorporar as respectivas marcas dos sucessivos tempos. A cidade nunca finaliza o processo, está sempre em abertura, pelo que a criação de uma cidade ideal apenas se poderá entender dentro de uma morte anunciada.

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