segunda-feira, 21 de junho de 2010

O TEMPO E OS TEMPOS DA CIDADE


A cidade contém em si uma memória e uma vontade próprias, é algo vivo, com capacidade de se reajustar e mesmo de evoluir, independentemente dos actores, embora, necessariamente, com eles.

Nessa base, a Cidade é um sistema dotado de estrutura, organização, função e finalidade, onde os elementos estão em relação com o todo e em interacção recíproca, tendo uma dimensão de tempo que ultrapassa muito os diversos tempos mais limitados dos seus actores.

Conscientes ou não de tal, os actores da cidade acabam por ser peças permutáveis e substituíveis, quer no tempo conjuntural, quer no tempo estrutural e histórico da vida da cidade.

Acontece que tais actores, quando encarnam, quando nascem, quando aparecem, quando encaixam, quando aterram, são formatados pela envolvente, dentro de um esquema cultural de valores e de interesses, que se inscrevem, quer de modo consciente, quer, inconsciente.

Ainda que tais indivíduos se sintam no pleno uso do seu livre arbítrio, a sua acção é condicionada pelas determinações da envolvente que os acolhe, mas nem todos se dão conta disso. Por exemplo, quando certos actores são detentores de poder, nem sempre utilizam esse poder na linha da verdadeira alma da Cidade. Pelo contrário, muitas vezes procuram imprimir as suas marcas individuais e pessoais no fazer cidade, resvalando para a vã ilusão de, como diz o poeta, vencerem a segunda morte, isto é, procurarem atingir a imortalidade. Em Bragança, em Portugal, em França, em todo o lugar, bastará que passem umas escassas décadas para que a cidade se encarregue de anular tais marcas de paixão individualista, seguindo o seu caminho segundo a sua própria vontade colectiva. Por isso, os actores com poder e responsabilidade de fazerem Cidade, deverão interiorizar a verdadeira alma da cidade que os viu nascer, pondo ao serviço do Tempo da Cidade os seus tempos de vida, evitando servir-se da Cidade em vez de verdadeiramente a servir.

A Cidade, tal como outros sistemas, é um todo que é sempre maior que a soma pura e simples das suas partes constituintes. Como se explica que se gere algo que ultrapasse a soma pura e simples das partes? Esse «algo mais» resulta do efeito de totalidade do sistema, onde a influência recíproca do todo sobre os elementos e destes sobre o todo, fazem da Cidade um verdadeiro sistema vivo. O organismo vivo, que sempre é a Cidade, procura, dentro do seu tempo próprio, o ponto de equilíbrio, equilíbrio que não poderá ser estático, mas sim dinâmico. Por isso, a esta ideia de Cidade, mais do que o conceito de equilíbrio, convirá o conceito de equilibração, conceito proposto pelo grande mestre Piaget; a diferença é que os equilíbrios são de ordem estática ou, melhor, homeostática, ao passo que a equilibração incorpora uma sequência dinâmica de equilíbrios pontuais, com vista a uma sempre maior complexidade evolutiva. O sistema em equilibração integra a assimilação de elementos, acomodando-se à nova situação, resultando num equilíbrio adaptativo momentâneo que gerará novo desequilíbrio e outros reequilíbrios subsequentes, numa sucessão dinâmica de momentos.

A Cidade, mais tarde ou cedo, acaba sempre por digerir o que a põe em causa, chegando ao equilíbrio necessário para seguir em frente. Por isso a Cidade precisa de tempo, que é um tempo diferente do tempo individual. Os tempos médios de vida individuais para a Cidade não passarão de um simples instante. Muitos dos desequilíbrios que, para o nosso tempo individual, são marcantes e parecem absolutamente vitais, tomam um valor muito relativo e conjuntural perante o Tempo da Cidade, que é de ordem estrutural.

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